Ultimamente temos ouvido e lido sobre a ascendência dos algoritmos no nosso dia a dia. O Gartner já fala em uma “algorithm economy” e as potencialidades que se abrem com ela.
Os algoritmos já convivem conosco há muito tempo. Nos primórdios da computação, os processos batch demandavam algoritmos de classificação (sorts) para colocarmos arquivos em uma determinada ordem, mais adequada ao seu processamento.
Com a Internet e a explosão da geração de dados, vemos exemplos emblemáticos de uso de algoritmos, que fazem o sucesso de inúmeras empresas, como os algoritmos de busca do Google, de recomendação da Amazon e do Netflix, ou os que selecionam o conteúdo a ser mostrado nas timelines dos usuários no Facebook. Não basta ter uma imensa coleção de dados como estas empresas têm. Elas obtêm sucesso focando em como trabalhar com estes dados.
Os algoritmos também são parte essencial de novas tecnologias disruptivas, como os veículos autônomos. Um carro do Google por exemplo é um carro recheado de modelos preditivos, que tomam decisões a cada instante.
Quais são os segredos mais guardados da Amazon, Google e Facebook? Sim, seus algoritmos. São o que tornam estas empresas tão valiosas.
Algoritmos eficientes podem ser uma fonte de monetização para as empresas. Uma companhia de logística pode licenciar seus algoritmos de entrega just-in-time para empresas não concorrentes, como um fabricante de geladeiras comerciais que, em parceria com uma rede varejista efetua automaticamente a reposição do estoque, baseado nas predições de consumo dos clientes. Futurologia? Não, é questão de olhar a operação logística como diferencial competitivo.
Com o advento da Internet das Coisas e impressoras 3D, amplia-se consideravelmente as opções e complexidade da operação logística. Por outro lado, são abertas novas oportunidades de negócio, disruptivas. Isto significa que algumas operações usualmente tidas como comoditizadas e colocadas sob ERPs e outros software de prateleira, podem fazer diferença se substituídas por algoritmos preditivos. Um sistema de RH é apenas uma folha de pagamento ou pode incluir um sofisticado algoritmo de recrutamento, avaliação e retenção de talentos, que poderia ser oferecido ao mercado?
É uma evolução do simples controle operacional, onde todas empresas que usam o mesmo software operam de forma similar, para um processo analítico e preditivo. Um processo comoditizado pode se tornar um diferencial competitivo. Mais um passo na tendência que tornará, mais cedo ou mais tarde, toda empresa uma empresa de tecnologia. Cada vez mais os produtos serão valorizados pela sofisticação de seus algoritmos. Aliás, os produtos estarão embutidos dentro de serviços.
Com a disseminação do conceito de “algorithm economy” não será difícil imaginar um futuro onde teremos “algorithms stores”, compostas por milhares de componentes de software (algoritmos) que poderão ser combinados para criar outros software mais complexos.
Mas, diante de um cenário de disrupções frequentes, podemos ir mais além com os algoritmos. A disrupção digital está deixando claro que organizações que se mantêm aferradas a modelos e organizações rígidas correm sério risco de sobrevivência. Por que não imaginar uma organização que auto ajuste seus processos e modelos de negócios baseados em decisões algorítmicas?
Bem, ainda estamos longe de um algoritmo que nos diga com exatidão quando e como criarmos um novo modelo de negócios. Mas, que tal aplicar os mesmos princípios que auto ajustam os algoritmos para a gestão das organizações?
Como exemplo, olhemos um algoritmo de recomendação. Ele está constantemente balanceando o que conhece com o que não conhece…explico. À medida que um cliente efetua compras, o algoritmo começa a entender seus hábitos de compra e procura fazer recomendações que sejam do interesse do cliente. Por outro lado, ele não pode apenas considerar o que já conhece, porque mais cedo ou mais tarde, o número de ofertas tenderá a ficar menos atrativa. O algoritmo tem que fazer novas explorações, tentar ofertar algo novo e validar se o cliente gosta ou não. A ideia é ampliar o conjunto de ofertas, com tentativas de erros e acertos. O cuidado é não errar muito, e oferecer insistentemente coisas que não interessam, e nem ficar agarrado aos hábitos anteriores, só oferecendo o que já está se esgotando.
Este balanceamento é que é o segredo de algoritmos como o da Amazon. O nível de eficiência do algoritmo é conseguir o balanço ótimo entre as preferências conhecidas e o potencial de novas oportunidades de categorias de produtos que podem ampliar o conjunto de preferências do cliente. Para isso é necessário coletar e analisar dados das interações dos clientes com a empresa em todos os canais. O algoritmo tem que processar estes dados e ele mesmo auto ajustar-se à cada cliente, de modo que o conjunto de preferências de um não seja necessariamente aplicável a outro cliente. É uma interação 1-to-1.
Pergunto: quantos sites de comércio eletrônico no Brasil adotam algoritmos de recomendação? Fico pasmo de ver grandes lojas no máximo listando produtos por tipo ou preço, ignorando os hábitos de compra e nem explorando o potencial de novas vendas. E quando a loja virtual faz parte de uma organização com lojas físicas, vemos que muitas vezes o potencial de cruzar estas informações não é minimante aproveitado…
Quero provocar outra discussão: adotar princípios algorítmicos na gestão das organizações. Olhando uma empresa vemos que no seu mais alto nível temos a visão (direção e propósito da empresa), seguido pelo modelo de negócios e suportado pelos processos, sistemas e estrutura organizacional. A prática tradicional tem sido congelar a visão e o modelo de negócios (criados na fundação da empresa, talvez há dezenas de anos…) e apenas inovar processos, sistemas e estrutura organizacional, de forma incremental. Funcionou muito bem quando o cenário era mais estático e menos disruptivo, Mas funciona hoje? Quando um Airbnb, Uber, WhatsApp geram reações coléricas dos setores e empresas afetadas, é que o modelo atual, rígido, não as deixou fazer as mudanças em tempo hábil. Talvez nem as tenham deixado perceber que o mundo estava mudando à sua volta.
Aplicando os princípios algorítmicos auto ajustáveis, não apenas a camada de suporte (processos, sistemas e estrutura organizacional) muda, mas a visão e os modelos de negócios também se auto ajustam à dinâmica do mercado. A empresa não é mais uma estrutura rígida com a decisões top down descendo ladeira abaixo por toda a organização.
Não é ficção científica. Recomendo ler um artigo instigante, “The Self-Tuning Enterprise”, que mostra um caso real, a chinesa Alibaba, aplicando estes conceitos em seu dia a dia. As lições de empresas do mundo pós-Internet, que não precisam do conceito que se dissemina hoje pelas empresas pré-Internet, chamado de operação bimodal, podem e devem começar a ser aplicadas em qualquer empresa.
As empresas da Internet são obrigadas a se reinventar constantemente, pois estão no epicentro do vórtice de transformação digital, mas todas as organizações, mais cedo ou mais tarde, serão sugadas para este vórtice. Assim, vale a pena olhar o futuro sob outra ótica, considerando que o modelo bimodal é apenas transitório, criado apenas pela incapacidade de uma grande organização se transformar radicalmente de um dia para o outro.
O futuro será das empresas auto ajustáveis.
(*) Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, CEO da ThinPost e autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Fonte: CIO.
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